segunda-feira, outubro 23, 2006,7:54 PM
A Patada do Mastodonte



Ao contrário de artistas com um apelo popular maior, as bandas de metal sempre demoram um pouco mais para alcançar os pícaros do sucesso. São poucas as exceções que conseguiram seduzir o gosto popular logo no primeiro disco, o que pode atéparecer ultrapassado, já que, hoje em dia, bastam algumas músicas no my space para uma banda explodir.

E apesar de toda estrutura virtual e uma indústria especializada em últimas-novidades-para-a-garotada, o metal se mantém resistente. Característica essa que faz o estilo sobreviver intocável a modismos, como se fizesse parte de uma outra dimensão.

Tal resistência se deve ao fato de que antes da fama e da fortuna, muitos passam pelo corredor polonês do underground, conquistam fãs verdadeiramente fiéis e produzem álbuns que se tornam referências obrigatórias. O que, por outro lado, acaba pegando muitos de surpresa quando, de uma hora para outra, uma banda com essas características conquista a cena musical. O exemplo mais recente deste fenômeno chama-se Mastodon.

Representantes da novíssima safra headbanger americana, a sua mais recente bolacha, Blood Mountain, caiu com o peso de toneladas no meio especializado. Mas antes que achem que isso é uma propaganda barata, o esporro jáestava sendo profetizado nos seus dois primeiros discos, Remission e Leviathan. Este último, por exemplo, já é considerado um verdadeiro clássico e foi responsável por catapultar a banda de principal aposta para o palco do Ozzfest e capas de revistas.

Fechando um ciclo conceitual, no qual estes dois últimos álbuns seriam personificados pelos elementos Fogo e Água, o Mastodon chega a maturidade em Blood Mountain que épersonificado pelo elemento Terra. Neste disco, um destemido aventureiro se embrenha pelos tortuosos caminhos de uma montanha amaldiçoada, encontra seres mitológicos, sofre alucinações, passa frio e fome que o leva ao auto-canibalismo.

Antes eles faziam uma analogia ao Capitão Ahab e sua tripulação ao viver a experiência de entrar em turnê numa van minúscula e, assim, encarar o desconhecido. Em Blood Mountain o link com o mundo real parece ser o das privações e desafios que uma banda tem que se submeter para alcançar o ápice do seu processo criativo e o devido reconhecimento.

Nesse último quesito eles fazem por merecer, pois desde os tempos áureos de Sepultura e Helmet que não se escutava um disco de metal tão inventivo. E mesmo seguindo uma sonoridade que honra suas raízes old school, os caras fazem questão de apontar para o futuro e colocam tudo ao avesso, conseguindo a façanha de usar a bagaceira de um Motörhead, a elegância de riffs do Iron Maiden, muitas intervenções jazzísticas e referências ao King Crimson, que sepulta aquela cavalgada de bumbos tão previsível, mas que jamais perde a pegada e a velocidade - mérito da excelente cozinha, a espinha dorsal que sustenta o mastodonte, o baterista, Bränn Dailor.

Alguns fãs podem sentir falta de mais trovões e sangue, mas esse detalhe chega a ser irrelevante, já que agora eles aproveitam para descarregar toda sua fúria, homogeneamente, em suas canções que ganharam construções mais complexas, com direito a duelos de vocais aprimorados entre o baixista Troy Sanders e o guitarrista Bill Kelliher, como uma espécie de Alice in Chains regado a Jack Daniels. Além de uma direção que aponta, cada vez mais, para o experimentalismo art prog.

O exemplo mais direto dessa evolução está em Capillarian Crest que começa com amalucadas mudanças de tempo que beiram o psicodelismo. No entanto, quando você pensa que já não tem mais para onde ir, os caras pisam fundo no acelerador e mostram como podem ser tão versáteis, soando porrada tal qual as bandas trash oitentistas, mas técnico, sem esbarrar na vaidade exagerada.

Lendo essas linhas pode até parecer um pouco estranho, mas eles possuem um poder de fogo tão grande que faria o Manowar mijar nas calças. E, mesmo sendo considerados por todos como uma banda cool, as referências literárias que infestam suas canções respeitam a tradição conceitual do metal, sem jamais lembrar aqueles delírios talkieanos típicos do Blind Guardian.

Apesar dessa base intelectual, o Mastodon está longe de parecer coxinha e injeta boas doses de humor negro a suas composições. Como é possível perceber ao escutar a maravilhosa Colony of Birtchman, que conta com a participação de Josh Homme (QOTSA) e que narra, lisergicamente, como é ser perseguido por gnomos e ogros no interior de uma floresta formada por homens arvores.

Os destaques também vão para Hand of Stone e Crystal Skull que, ao vivo, devem ter o seu poder de fogo duplicado, ideais para serem executadas em grandes festivais. Em Circle Cysquatch, o encontro com uma criatura metade cyclops e metade sasquatch rende um dos temas mais agressivos do disco, pura carnificina, logo seguido pelo experimentalismo demente, porém hardcore de Bladecatcher. E fechando o disco temos Pendoulous Skin, uma faixa instrumental que mostra uma face ainda mais técnica do Mastodon, onde eles namoram o Pink Floyd.

Muitos fãs alienados podem até torcer o nariz para essa nova direção da banda, mas uma coisa eles não podem esquecer: os seus três discos funcionam como um todo, apesar de serem bem diferentes entre si. Para os desencanados que estão cansados de escutar sempre a mesma coisa, que estão de saco cheio dessas picaretagens fashionistas, vendidas como a mais nova revolução, escute esse disco sem pensar duas vezes, aliás compre o disco, e grave para todos os seus amigos.


P.S.: Depois da última música existe uma faixa secreta que contém uma carta de fã, escrita por Josh Homme (ele mesmo):

"Dear Mastodon, my name is Joshua, I'm a big fan from Southern Cal. Really diggin' on your new scene. That's why I hope you don't mind when I got your new demos for your new CD, I had to sing parts on them and send them to you as a tribute. I hope you're not mad about me also uploadingthem onto the Internet. But hell, it seems like you guys are so cool that you might dig something just like that. Sincerely, your fan, Joshua M. Homme. P.S., Keep it real...REAL (studio effects are used)....*laughter*....REAL."


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Escrito por Tiago Trindade
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segunda-feira, outubro 02, 2006,2:09 AM
Quanto mais purpurina melhor



Depois de um disco cheio de hits vermes de ouvido, que vendeu milhões de cópias e esteve presente na discoteca virtual de qualquer antenado, o que uma banda hype faria pra consolidar seu nome no disco seguinte? Uma reprise do trabalho anterior? Despediria o vocalista? Montaria uma padaria? Não. Nenhuma dessas possibilidades pode ser encaixada ao Killers depois de escutar Sam’s Town.

Para um segundo disco, os caras poderiam contornar o caminho fácil repaginando seu dance rock em um módulo mais moderno e repetir a fórmula de sucesso. Mas não, Brandon Flowers e Cia foram logo para onde seria o caminho natural de um terceiro disco. Ou seja, desencanaram de tocar em boates e inferninhos para abraçar as arenas do mundo inteiro. Muitas das influências do New Order, que batiam ponto no primeiro disco, foram deixadas para o 5º plano a fim de se concentrarem no verdadeiro esqueleto da banda, aquilo que estava em sua natureza ou na sua forma mais bruta, que é o glam rock dos anos 70.

Ao escutar o disco, logo nas primeiras faixas, você ainda percebe uma demência meio The Cure aqui ou um Bunnymen acolá. Mas quando o bicho pega, a banda mergulha numa sinfonia de referências que vão de Queen a David Bowie, passando pelas espeluncas e estradas da América com Bruce Springsteen na garupa. Tudo conduzido com maestria pelos produtores Flood e Alan Moulder, que também comandaram umas das mais grandiosas obras-primas dos anos 90, o disco Mellon Collie & The Infinite Sadness do Smashing Pumpkins – evidente logo no início da faixa Sam’s Town – disco esse, aliás, que já possuía suas referências no Sgt. Peppers dos Beatles.

Se no início o Killers não passava de uma banda meia-boca, com alguns hits e nada mais, aqui eles surpreendem e mostram que estão muito acima de bandas que dividiam o mesmo estilo. Se a moda é ser tosco, tocar músicas com guitarras desafinadas, batida dance e refrão previsível, aqui eles vão de encontro a esta natureza e mostram uma versatilidade pouco vista em seus conterrâneos. Basta escutar “This River is Wild” e notar que o vocalista Brandon Flowers deixou de lado os refrões fáceis para uma performance vocal que desafia o seu próprio talento e força a banda seguir o mesmo ritmo. Para quem esperava uma versão melhorada do primeiro disco, pode se decepcionar a primeira vista, mas curtir depois. Quem não gostava da banda, poderá até se surpreender bastante ao escutar o disco.

Com essa guinada inesperada, o Killers desafia não somente seus fãs a irem muito além do simples bate-estaca que forjou a sua fama, mas também deixa muitos preocupados com o seu direcionamento. Como aconteceu com o vocalista do Pet Shop Boys que, nem tinha escutado o disco, mas já pensava que os rapazes haviam perdido o seu apelo pop devido ao visual mais sério. Grande equivoco, pois o apelo pop ainda está presente, só que em novo contexto, mostrando uma face que remete mais ao rock clássico do que a extravagância de um Duran Duran. Para quem gosta de rock de qualidade sem encanar com rótulos, pode mergulhar nesse disco desestressado que a viagem será das melhores.


Para baixar:

 
Escrito por Tiago Trindade
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